Durante muito tempo prevaleceu nos Tribunais o entendimento segundo o qual a impugnação fiscal não impedia o início da ação penal. Nesse período, não era incomum nos meios forenses a notícia de condenações penais, ainda que pendente discussão na esfera fiscal/administrativa.
Hoje o panorama é bem distinto. Para o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, não há crime tributário enquanto não constituído regularmente o crédito respectivo.
Significa dizer que o contribuinte que discute a existência do débito fiscal no âmbito administrativo (em situações específicas) não pode ser surpreendido com um processo criminal contra si instaurado, já que não está caracterizado o crime contra a ordem tributária tal como previsto na legislação de regência, pois não se vislumbra ainda a necessária condição objetiva de punibilidade.
Na verdade o fundamental para o Direito Penal não é a constituição do crédito tributário, senão o reconhecimento inequívoco do débito tributário. O essencial é sempre saber se o tributo é devido ou não.Significa dizer, em termos diferentes, que, se apenas a autoridade administrativa possui atribuição para proceder ao lançamento do tributo (tal como estabelecido no CTN, a presença desta elementar do injusto típico (tributo) fica condicionada à conclusão do procedimento administrativo fiscal eventualmente instaurado, sob pena de inexistir conduta penalmente relevante.
Digna de realce, também, é a possibilidade de o contribuinte acusado do cometimento de um crime fiscal requerer a extinção de sua punibilidade, desde que efetue o pagamento do tributo. Se preferir, a legislação permite o parcelamento da dívida fiscal com a suspensão do processo criminal e, claro, do curso do prazo prescricional, até o final pagamento, ocasião em que, comprovando o contribuinte que quitou a dívida, poderá requerer a extinção do feito sem qualquer responsabilização penal.
Sabe-se que as causas de extinção de punibilidade não se esgotam no artigo 107 do Código Penal. Existe previsão em outras situações, dispersas, como no caso do artigo 312, § 3°, do referido codex. Mas o que por ora interessa é o que vem disposto, a propósito das causas de extinção de punibilidade do agente, na legislação extravagante, sobretudo no que diz com os crimes tributários.
É o caso da Lei n° 9.249/95, que prevê, no artigo 34, a extinção da punibilidade dos crimes definidos na Lei n° 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária, ordem econômica e relações de consumo), quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia. Perceptível, nesse caso, que o legislador fixou um limite temporal para a declaração da extinção da punibilidade, qual seja, o recebimento da inicial acusatória.Até pouco tempo atrás o raciocínio prevalecente tanto na doutrina como na jurisprudência era no sentido de que enquanto não extinto integralmente o débito pelo seu pagamento, não ocorria a causa de extinção da punibilidade em exame, o que determinava a possibilidade de, se fosse o caso, haver o recebimento da peça incoativa.
Hodiernamente, porém, o que se vê é uma interpretação mais benéfica ao contribuinte, em situações específicas. Em que pese a posição externada pela Corte Suprema, no Superior Tribunal de Justiça (sede efetiva de interpretação das leis federais), verifica-se que basta o deferimento do parcelamento pela autoridade competente para que se declare a extinção da punibilidade com fulcro no artigo 34 da Lei n° 9.249/95.
Pertinentes as considerações lançadas pelo Eminente Ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, extraídas do corpo do Acórdão proferido por ocasião do julgamento do HC n° 41.587/MT, em 26/04/2006, cuja questão de fundo envolveu parcelamento operado através do programa especial do REFIS, verbis:
"O cerne da questão diz respeito ao parcelamento do débito antes do recebimento da denúncia, e se o mesmo enseja, ou não a extinção da punibilidade dos réus. Tenho entendido que a manifestação concreta no sentido de saldar a dívida – como no caso de parcelamento de débito junto ao Estado – em momento anterior ao recebimento da exordial acusatória, afasta a justa causa para a ação penal, ainda que restando eventual discussão extra-penal dos valores. Com efeito, o parcelamento do débito deve ser entendido como equivalente à promoção do pagamento. O parcelamento cria nova obrigação, extinguindo a anterior, pois, na realidade, verifica-se uma novação da dívida. Desta maneira, o instituto envolve transação entre as partes credora e devedora, alterando a natureza da relação jurídica e retirando dela o conteúdo criminal para lhe atribuir caráter de ilícito civil lato sensu."
Não se pode deixar de mencionar a legislação posteriormente concebida: a lei de regência do Programa de Recuperação Fiscal (Lei n° 9.964/2000, conhecida como REFIS I) e do parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social (Lei n° 10.684/2003, conhecida como PAES ou REFIS II).
São normas que alteram a legislação tributária e produzem efeitos significativos no aspecto relativo às conseqüências penais do pagamento do tributo. A primeira delas, em ordem cronológica, é a Lei n° 9.964/2000, que trata do Programa de Recuperação Fiscal – REFIS. A lei dispõe em seu artigo 15, § 3°, que ocorre a extinção da punibilidade do agente quanto aos crimes ali mencionados quando há o pagamento integral do tributo objeto da concessão do parcelamento tematizado, desde que o benefício tenha sido concedido antes do recebimento da denúncia criminal.
Já no concernente ao parcelamento, verifica-se o aparecimento do instituto da suspensão da pretensão punitiva. Isto porque o caput do artigo referido prevê a suspensão da pretensão punitiva estatal do agente que ingressar no programa até o recebimento da inicial acusatória.
Desse modo, enquanto não há a quitação do parcelamento, não se há de falar em extinção da punibilidade, vez que subsiste apenas a suspensão da pretensão punitiva.
Uma vez quitado definitivamente o débito, a causa extintiva de punibilidade deve ser reconhecida.
Mais recente, a lei do PAES (Lei n° 10.684/2003) é também mais abrangente na medida em que nada dispõe acerca do limite temporal para o reconhecimento da extinção da punibilidade (se antes ou após o recebimento da denúncia criminal). Também não faz restrição alguma quanto à espécie de tributo alcançado. Trata, a bem da verdade, de qualquer tributo ou contribuição social independentemente de ter ou não sido objeto de parcelamento especial.
Inúmeros são os desdobramentos que o enfrentamento destas questões pode gerar. A busca pela legislação que melhor se acomode à hipótese concreta, portanto, é algo que deve ser permanente.
Daí concluir que o manejo destas questões requer do profissional do Direito constante aperfeiçoamento.
Seja como for, a modificação da estrutura dos tipos penais da maneira como se observa nas questões tributárias exige do profissional que atua na área um aprimoramento constante. Novas interpretações despontam diariamente dos Tribunais. Interesses tradicionais rapidamente dão lugar a realidades que antes não havia. Enfim, a transformação dos fenômenos sociais e jurídicos exige que o enfrentamento das questões afetas seja realizado com atenção às novas realidades que se projetam das decisões judiciais, mas também de acordo com a particularidade de cada caso.
Este o nosso entendimento, s.m.j.
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